26 de julho de 2013

Um sonho realizado, uma pessoa mudada - Final

Finalizando...

    Entramos no ônibus da agência de turismo (acho que nosso primeiro ônibus nesse estilo, mas o preço valia) e seguimos em uma viagem rápida para a cidade de Copacabana - que dá o nome à Praia carioca, devido à grande semelhança entre o formato de costa das duas -, cerca de 5 horas. É, rápida comparada às outras viagens que já tínhamos feito ao longo da trip. Tivemos que descer do ônibus para um pequeno trajeto de balsa (no caso dos automóveis) e lancha (pedestres), para passarmos por um canal. No local de parada, novamente nos deparamos com sinais do inconformismo boliviano em relação à perda de seu território litorâneo para o Chile (clique nas imagens para poder ler as frases que caracterizam bem isto):


   Chegamos em Copacabana no início da tarde, e logo em seguida iniciamos a pesquisa de hospedagem, até nos instalarmos em um hostel simples e aconchegante, custando 25 bols por dia (desculpe, não me recordo o nome). Até que tínhamos um bom dinheiro para ficar na cidade por alguns dias, mas não poderíamos passar de três dias, já que eu tinha sido intimado pela família a estar em Pontal antes do dia 25 de fevereiro, meu aniversário. Pelos cálculos do tempo da viagem de volta, decidimos que ficaríamos três dias em Copacabana. Portanto, não tínhamos muito tempo para ficar parados, visto que é uma cidade linda, com muitos lugares interessantes a se conhecer. Decidimos então subir o morro em que se localizava o Mirante do Sagrado Coração de Jesus, a 3934 metros de altitude. E na subida, mesmo parando para fotografias, novamente a altitude e o seu ar rarefeito pegaram eu e o Lucas. Um cansaço absurdo! Graças a Deus existiam argentinos (nunca achei que fosse falar isso) lá em cima, com garrafas de água em mãos, que nos ofereceram para aliviar os problemas. Cheguei quase engatinhando! haha Mas em compensação, o estado de êxtase que ficamos, ao ver a imensidão de beleza do Lago Titicaca, compensou cada gota de suor. Simplesmente um lugar divino, sem palavras, daqueles que têm uma energia especial, algo que te emociona e te toca de um jeito que poucos lugares fazem. Instintivamente, segui para um canto, sentei-me no chão à sombra de um pinheiro e decidi só observar e absorver (salve, Eduardo Marinho!). O Lucas seguiu para outro canto, sem trocarmos palavras, só seguindo o coração. Fiquei ali, estático, sentindo aquela brisa bater e vendo a harmonia entre lago, céu e sol. Nesse momento, lembrei-me de todos os dias que passei planejando a viagem, de toda a contestação que enfrentei em casa e todos os argumentos que usei pra convencê-los de que isso tudo era realmente essencial pra mim, do choro da minha vó ao despedir-se do, até então, inexperiente mochileiro, das várias horas de viagem, dos perrengues, do cansaço, do frio, das incríveis pessoas que conheci, das alegrias, dos momentos eternos... é, ali era Deus dizendo pra mim que tudo isso tinha valido à pena, que minha busca pelo pôr do sol tinha chegado ao fim, mesmo não sendo em Lima, mas sendo num local totalmente místico, especial. Era um momento só meu, de profunda emoção, de profunda realização. 

Paz.
   Ao me dar conta de que não vivi tudo isso sozinho, resolvi procurar o Lucas e encontrei-o no topo do morro, sobre um rochedo, em paz, tocando o seu charango (instrumento típico boliviano), que havia comprado na cidade anterior. Toda vez que ouço aquela música - http://www.youtube.com/watch?v=32Js2Ef5Ojg -, aquele sentimento bom me volta à cabeça. Me sentei para compartilhar toda aquela alegria e algumas boas horas de conversa e reflexões se passaram, até o sol começar a se esconder. Já estava anoitecendo, o Lucas resolveu ficar um pouco mais por lá e eu voltei para o hostel, para comer algo e ver a estreia do Palmeiras na Libertadores da América (vício é vício haha). 

"A parceria faz o sangue e o sangue faz o irmão."

    Após acabar o jogo, tomarmos banho e jantarmos, decidimos conhecer a noite de Copacabana, muito bem comentada por quem já havia ido. Não tínhamos um local definido para ir, mas ao passarmos por um bar com bilhar e karaokê não foi preciso nem perguntar se o outro aceitava a ideia. Peguei algumas fichas e uma cerveja (Paceña gelada, dessa vez) e fomos jogar umas partidas, ao mesmo tempo que conversamos com o dono do bar. Ao saber que éramos brasileiros, decidiu fazer uma pequena homenagem, certo de que ia nos agradar: colocou para tocar músicas do Michel Teló e do Bonde do Tigrão, tudo o que eu queria ouvir. Felizmente o mundo estava do nosso lado: um apagão na cidade, nada de música. Assim, o Lucas pegou emprestado o violão do dono e eu umas velas, para iluminar a mesa e eu continuar a jogar enquanto ouvia o Lucas tocar. Aí sim ouviu-se música boa! Depois de esperarmos a luz voltar e ela não dar qualquer tipo de sinal, fomos embora do local, dormir. 

Si, truta!
    Na manhã seguinte, que já não era manhã, acordei com fome, decidido a comer o prato típico do local: truta. O Lucas não quis me acompanhar, então fui obrigado (coitadinho) a comer uma truta na manteiga sozinho, que não era servida em um prato, e sim, em uma pequena travessa. Divina! Os caras realmente mandam bem nesse prato! Havíamos combinado de ir para a Isla del Sol e Isla de la Luna na parte da tarde, porém os dois já não tinham a mesma disposição do início do mochilão e passaram o resto do dia dando sinal de vida para a família na internet, conhecendo um pouco mais da cidade e passeando à beira do Titicaca (com outro pôr do sol incrível). Na parte da noite retornamos ao bar da noite anterior e jogamos um pouco mais de bilhar, dessa vez sem ser interrompidos pela linda (ironia) homenagem do dono e/ou por algum apagão. De lá, fomos a um outro bar, um pouco mais movimentado, mas quase fechando. Só deu tempo de provar a outra cerveja boliviana - Huari, produzida em Oruro -, conversar um pouco com umas chilenas simpáticas e pagar a conta. Na manhã seguinte, arrumamos nossas coisas, compramos a passagem de retorno para La Paz e embarcamos. Era hora de dar adeus àquela maravilha. Mas fica até hoje o desejo de voltar, conhecer mais e aproveitar mais. Vale muito à pena! 

Até breve, Titicaca!
    Em La paz, assim que chegamos já tratamos de comprar as passagens para Santa Cruz de La Sierra. Pagamos 130 bolivianos pela Transportes El Dorado. Nesse ônibus, conhecemos e conversamos muito tempo com duas pessoas muito legais: a Marianella, dançarina argentina, e a Larissa, advogada carioca. Foi uma viagem longa, com paradas demoradas, e que fizeram a Larissa ter que sair do ônibus na última parada, para não perder seu vôo de Santa Cruz para o Brasil. Chegando em Santa Cruz, novamente fomos em busca da passagem para o próximo destino, e então compramos com a Empresa El Quijarreño por 35 bolivianos. Nos despedimos da nossa amiga argentina, compramos algumas salteñas para a viagem e seguimos. Uma viagem cansativa, mas uma das que mais me recordo e que mais me alegrou. Enquanto todos os outros passageiros dormiam, durante a noite, eu o Lucas conversávamos sobre toda a viagem e cantávamos músicas que vinham na cabeça, sendo ainda brindados por um céu muito, mas muito estrelado. A música que fica dessa parte do mochilão é: http://www.youtube.com/watch?v=W1ARYwDxHhk. Chegando em Puerto Quijarro, resolvemos fazer o caminho até a fronteira a pé, já que tínhamos ficado muito tempo sentados em vários ônibus. Era início da manhã e lá víamos nosso último nascer do sol boliviano.

Choro fake, na despedida da Bolívia.

    Chegando na fronteira Bolívia - Brasil, novamente muita fila e toda aquela confusão: muitos bolivianos, estrangeiros e brasileiros querendo ir para o Brasil. Não sei porquê, mas lá há uma porta para os bolivianos fazerem sua regularização e outra para os brasileiros e demais estrangeiros. Nessa grande fila conhecemos a Johana, uma psicóloga de Lima - Peru. Como é muito burocrático, confuso e demorado todo esse sistema da fronteira Quijarro - Corumbá, ficamos muito tempo conversando com a Johana e nos demos muito bem com ela (ps: ela que falou sobre o cevice verdadeiro, como citado no post anterior). Após sairmos daquele caos, conversamos sobre nossos países e indicamos vários lugares interessantes para ela conhecer no Brasil., já que iria pegar um ônibus para São Paulo e depois seguir para outras cidades brasileiras. Dali, nós dois decidimos pedir carona para chegar até Campo Grande, já que o dinheiro não era muito e o vontade de fazer mais uma aventura era grande. Depois de algumas tentativas, conseguimos um transporte de curta distância com duas universitárias que passavam de carro por ali. Não foi muito, mas qualquer ajuda é muito bem vinda. 
    Após desembarcar do carro, andamos muito para chegar até a saída da cidade e nesse caminho conhecemos um cara incrível, que caiu do céu. Não sabemos o nome dele e nenhuma informação, mas passamos em seu mercado e perguntamos se podíamos encher as garrafas com água, ele prontamente aceitou e ainda nos deu outra com água gelada. Saímos, agradecidos, do mercado e quilômetros de caminhada após, o mesmo nos encontrou propositalmente de carro e, sem falar nada, só expressando bons sentimentos, nos deu uma sacola com lanches. Uma mistura de alegria, gratidão e surpresa nos tomou conta. Uma bondade daquela é algo inimaginável, hoje em dia, que me serve de lição e referência até hoje. Após este fato, agora revigorados, caminhamos vários quilômetros até chegar na saída da cidade, onde queríamos hacer dedo para chegar a Campo Grande. Ficamos no local até o fim da tarde, e não conseguimos nada. Frustrados, decidimos ir para a rodoviária de Corumbá e comprar passagens para Campo Grande, já que não podíamos mais correr o risco de perder outro dia (meus pais me matariam se eu passasse o aniversário na estrada e descumprisse a promessa). Como só haviam passagens para o dia seguinte, compramo-as (78 reais) juntamente com alguns salgados da lanchonete e nos preparamos pra dormir por lá. Estava muito quente e o chão gelado da rodoviária caía como uma luva. Lembro-me que não consegui nem terminar de ver o Jornal Nacional e apaguei, perante ao cansaço de um dia inteiro de caminhada e tentativa de carona. Logo que acordamos já entramos no ônibus e seguimos para a capital sulmatrogrossense, parando somente uma vez, pela Polícia Federal, que revistou todos os passageiros e prendeu uma moça do nosso lado, com cocaína da fronteira. Chegando em Campo Grande, o Lucas ligou para seus tios que residiam na cidade e pegamos um táxi para visitá-los. Ficamos pouco tempo com eles, mas já deu para ele matar a saudade e contar-los das novidades da viagem. Eles nos levaram para a rodoviária e lá compramos as passagens com a Eucatur (170 reais) para Curitiba. Confesso que essa foi a viagem mais demorada e entediante da viagem, visto que já conhecíamos o trajeto, estávamos cansados, com saudade da família e dos amigos. Chegando em Curitiba o tempo de espera foi menor ainda: compramos os bilhetes para o embarque seguinte e às 17:20 do dia 20/02 pegávamos nosso último ônibus do mochilão, com direção a Pontal do Sul. 
Chegava ao fim a maior aventura que fiz na vida, com uma das pessoas mais incríveis que conheci, ao lado. 

   Agora, no momento em que escrevo, soma-se a saudade e nostalgia de tudo isso, a tristeza por ter acabado de descrever esse vinte e tantos dias, mas principalmente o prazer e satisfação de ter compartilhado todos esses fatos e a minha alegria aqui com vocês. "A felicidade só é real quando compartilhada." (Into the Wild)
Realizei muitos sonhos, tive muitas alegrias e situações que nunca vão se apagar da minha cabeça. Também passei por dificuldades e alguns problemas, pequenos diante de tudo isso. Mas tenho absoluta certeza que o Bryan de antes da viagem nem se compara com o Bryan pós-viagem. Mudei, cresci. Espero que não tenha somente crescido, mas espero que após tudo isso eu consiga ajudar também muitas pessoas a crescerem. Plantar a sementinha dentro de vários corações. É com isso que eu sonho.

    Torço para que tenham lido todas as partes, que tenham absorvido algo, que tenha sido útil. Agradeço os comentários, as críticas, as sugestões. Você que está lendo agora me motivou muito a deixar aqui esse relato. Meu agradecimento, de coração.

    Se você quiser tirar dúvidas ou comentar algo, fique à vontade para me adicionar no facebook (se ainda não tem, https://www.facebook.com/bryanrmuller) e ver mais fotos no álbum da viagem, que criei lá.


Obrigado, Deus!


"Você é assim, vai passar o resto da sua vida perseguindo o pôr do sol." (Kon-Tiki)






19 de julho de 2013

Um sonho realizado, uma pessoa mudada - Parte 5

    E finalmente chegamos em La Paz...

Uma das principais avenidas de La Paz
...que na minha cabeça sempre foi a capital boliviana, até descobrir que ela 'apenas' é a capital econômica do país, a que realmente é a capital política é Sucre (viu? ler este blog é aprender Geografia haha). La Paz é conhecida por estar numa espécie de buraco. Você chega a ela através da cidade de El Alto e desce em círculos até chegar na parte mais baixa - La Paz. Durante o caminho, por ônibus, vimos vários outdoors informando obras de manutenção de estradas ou criação de novas, com dizeres mais ou menos assim "Se Evo promete, Evo faz!", juntamente com uma bela foto do presidente boliviano. É o tal do populismo. Contudo, creio que realmente ele esteja fazendo um bom trabalho pela Bolívia, descentralizando o poder (o que está incomodando muito a 'nata' boliviana). 

    Bom, paremos de falar de política e seguimos com a viagem: a rodoviária de La Paz era algo muito grande e caótica, que pretendíamos não ficar por muito tempo. Saímos dela com a intenção de procurar um lugar bom e barato. Enquanto o Lucas pesquisava preço e cardápio em alguns restaurantes e lanchonetes, eu ia para o lado oposto fazer o mesmo. Paramos em um que custava cerca de 9 bolivianos, com pollo como prato principal (não tem como fugir), sopa, PICOLÉ DE SOBREMESA e uma saladinha bem preparada. Simples e gostoso. De barriga cheia, seguimos a procura de um hostel. Após procurarmos alguns, decidimos ficar no que já tinham me indicado antes de sair para a viagem - Hotel Áustria (cerca de 20 bolivianos a diária), um local cuidado por um velhinho muito simpático, que de cara nos reconheceu brasileiros (segundo ele, por nosso sotaque, ao falar espanhol). Achei a melhor hospedagem da viagem, com um ambiente tranquilo, wifi, lavanderia, camas quentes e confortáveis, banheiros com água quente e boa localização. Além de feliz por ter encontrado um lugar legal, feliz também por saber que minha pesquisa antes da viagem tinha sido útil (faça uma! Se quiseres viajar...). 

Hotel Áustria
Descansamos, tomamos um bom banho (na verdade dois, né, cada um uma vez haha) e sentamos para conversar, para organizar a viagem. Depois de um bom tempo pensando e discutindo um roteiro com melhor custo/benefício para a sequência da viagem, decidimos que não iríamos mais para o Peru. Sabíamos que poderíamos estar deixando de aprender muita coisa, conhecer muita coisa, mas nos baseamos no seguinte: ainda tínhamos muito pra conhecer na Bolívia, já não tínhamos muito dinheiro, chegar a Lima seria passar muito tempo e gastar muito dinheiro em viagem, a moeda peruana é muito mais cara que a boliviana, etc. Marcamos como destino final de viagem o Lago Titicaca, se ficássemos sem grana lá pelo menos estaríamos mais próximos de casa do que se estivéssemos no Peru. Questão de sobrevivência. Com essa decisão, outra conclusão: já que estávamos preparados pra gastar muito no Peru e não iríamos mais, iríamos ter muito mais dinheiro ficando na Bolívia (já que o Nuevo Sol tem praticamente o mesmo valor que o Real, e assim, também 3 vezes mais caro que o Boliviano), e com isso poderemos gastar em coisas que não tínhamos planejado, elevaríamos o padrão de vida do mochilão por alguns dias haha. La Paz também seria melhor conhecida, ficaríamos mais de dois dias, segundo nossas intenções.

Plaza Murillo - principal praça da cidade
    Após a decisão dos novos rumos, saímos para jantar. Nosso objetivo era fugir do pollo. Com nosso mapa, tentamos encontrar o local que fazia fondue suiço. E, surpresaaaaaaa! Estava fechado. Como ele, muitos estabelecimentos, em plena sexta-feira a noite. Explicação? Carnaval. O que nos restou? Pollo! hahaha Jantamos e decidimos voltar para 'casa', pra podermos acordar cedo no outro dia e conhecer a bela La Paz. A decisão meio intuitiva foi a seguinte: ficaríamos 4 dias, sendo que em dois dias sairíamos juntos, pra dar o rolê - um deles a minha rota e no outro a do Lucas. Nos outros dois dias cada um iria por si. Na primeira manhã fomos conhecer a praça central da cidade, logo na quadra ao lado do nosso hotel. Uma praça cheia de pombas, com muitos policiais e membros do exército boliviano. Em torno dela havia a sede de vários poderes da Bolívia, que mereciam proteção. Turistamos um pouco ali e saímos para tomar café da manhã, o desayuno. Fomos a uma cafeteria muito boa e agora, com pouco mais de dinheiro pra gastar, podíamos pedir umas tortas e bolos mais caros. Festa feita! Após, fomos conhecer as ruas estreitas e altas do centro de La Paz e lá, como em Santa Cruz, também havia divisão de ruas para o tipo de comércio, com rua de materiais esportivos, rua de agências de viagem, rua de restaurantes, etc. Nessa volta que demos, fomos a agências que vendiam o pacote da Ruta de La Muerte - um passeio ciclístico que saía da altitude e levava até uma região baixa, em um percurso lindo e perigoso. O Lucas fez o passeio e diz que foi uma das coisas mais incríveis da viagem, recomendado! 

Cores das lojas paceñas
Barraca do Mercado de Las Brujas
    Também fomos conhecer a Mercado de Las Brujas e a Calle Sagárnaga, locais conhecidos da região central da cidade. O Mercado é muito curioso e recebe esse nome pela venda de poções do amor, incensos e até coisas mais exóticas, como feto de lhama e alguns outros animais empalhados. Aproveitamos as várias tendas do Mercado e da Sagárnaga para comprar umas lembranças para os amigos, aproveitando o baixo preço. Todas as tendas e ruas dessa região eram muito movimentadas e também muito bem decoradas, com muita cor (união entre os panos andinos e a decoração carnavalesca). Vale a pena conhecer. Nosso almoço foi em um restaurante em frente ao hotel, o qual tinha uma música muito boa (Lucas ficou fascinado com Hendrix et al tocando). Pedimos cevice de peixe, um prato típico do Peru na Bolívia. Não gostei muito, e na fronteira com o Brasil acabei descobrindo que aquele não era o jeito correto de fazer a receita. Ainda tenho esperanças que seja gostoso :)

    Após dar uma boa volta pela cidade no primeiro dia, eu iria realizar meu desejo em La Paz: conhecer o estádio nacional, casa da Seleção Boliviana de Futebol e dos times locais. Caminhamos bastante até chegar ao bairro Miraflores, onde situava-se o Estádio Hernando Siles. É muito bonito por fora e tem uma praça mais bela ainda em frente. Infelizmente ele estava fechado para o público, por ser feriado nacional, e naquela semana também não haveria jogo pelo Campeonato Boliviano de Futebol. Uma pena. Após isto, fomos conhecer um parque da cidade, que possuía um mirante com visão panorâmica da cidade, um teatro ao ar livre lindo, além de muitas quadras esportivas. Sentamos para ver os bolivianos jogarem futebol nessas quadras, esperando que sobrasse uma vaguinha para brincarmos e conhecermos o poder da altitude. Após muito tempo, um deles se cansou e perguntou se eu queria entrar no lugar dele. Perdão, mas como foi muito especial para mim, será mais detalhado.

Bryan fascinado com o Estádio

    "Yo? Si, si!". E então, ele perguntou, com um tom um pouco debochado, se eu era inglês. Eu disse que não, que era brasileiro. "Noooooooooooo, és brasileño?" Ficou espantado e interessado. Avisou a todos que eu era brasileiro, pra tomarem cuidado (viu como ainda somos respeitados como o país do futebol?). Ali eu me sentia bem, brincando com um pessoal que eu não conhecia, mas me divertindo com o futebol. A altitude realmente pega e eu cansei muito rápido, pois tinha dificuldade de respirar: o ar que era inspirado vinha seco e gelado, fazendo com que eu tossisse logo após. Ou seja, o ar que eu puxava já era solto logo em seguida, pelas tossidas. Consegui aguentar cerca de 15 minutos jogando, muito provavelmente devido aos oferecimentos de água para mim a cada 2 minutos. Mas gostei muito e percebi que realmente a bola é mais leve, corre mais e o chute sai mais forte. Uma experiência única! Quando eu cansei, o Lucas entrou, também jogou e se divertiu. Fomos muito bem tratados! Nosso time ganhou e o pessoal veio nos agradecer por ajudar na vitória. Deram 5 bls para cada, como pagamento. Relutamos em aceitar, pois só queríamos nos divertir, sem grana. Então descobrimos que era uma aposta entre os dois times e que o adversário, derrotado, teve que pagar uma quantia ao nosso time. Como não iríamos aceitar o dinheiro e eles não iriam desistir de oferecer, sugeri que juntássemos o dinheiro de cada um e comprássemos umas cervejas. Ele adoraram a ideia e pediram para acompanhar-los até o local de compra. Durante o caminho eles nos explicaram que eram amigos, de diversas cidades, que se encontravam durante a época de Carnaval para trabalhar ali perto do parque, em ruas cheias de barracas de venda de comidas e diversas coisas. As barracas deles eram semelhantes às de parques de diversões, com a brincadeira da argola, da bola na pilha de latinhas, bola na boca do palhaço, etc. E esses amigos formavam um time - Los Gorilas. Que era conhecido no bairro e vitorioso. Ao longo de algumas cervejas Paceñas quentes (sim, lá é frio, alto e eles estão acostumados a bebe-las quentes. Por incrível que pareça eram gostosas, sem ser amargas. Prontas para esse tipo de consumo) eles nos contaram um pouco de suas vidas, do que achavam do Brasil e do futebol brasileiro. Também lhes contamos um pouco sobre nossa viagem, sobre o quê conhecemos o futebol boliviano e o que fazemos da vida. Uma tarde muito legal, no coração de La Paz, com novos amigos. Eles nos convidaram para jogar um campeonato pelo time, mas explicamos que nossa viagem precisava seguir. Triste por não ter participado, feliz por saber que era por um bom motivo. Mais feliz ainda por ter passado por isso, por não ter apenas turistado na cidade, por ter conhecido de fato os bolivianos, sua cultura e dia-a-dia. Hoy soy un gorila!

Los Gorilas
   Bom, reduzindo um pouco a empolgação, voltemos aos fatos. No dia seguinte o Lucas foi para sua trip ciclística (que não fui, muitos sabem o motivo hahaha) e eu fui conhecer o Mercado Lanza e o Museu da Coca. O Mercado também é muito legal, como o das Brujas. Porém, maior e mais organizado, com 4 andares e sinalização para tudo o que é vendido por lá: livros, flores, carnes, frutas e verduras, refeições... O Museu da Coca também é interessante, se paga 10 bls para entrar e é possível conhecer toda a história da Coca no país e no mundo, desde o seu uso por indígenas, até a transformação em droga sintética, seus efeitos, sua legislação, suas informações e a cultura da coca. Na manhã seguinte, manhã do quarto dia em La Paz, eu e o Lucas começamos a arrumar nossas coisas para viajar para Copacabana, cidade à beira do Lago Titicaca, em sua porção boliviana. Enquanto o Lucas se preparava, parei em frente à TV e vi a notícia: em todas as principais praças de todas as cidades bolivianas, naquele dia, haveria uma homenagem do exército e da polícia aos combatentes da batalha com o Chile. Aquele dia marcava 134 anos da invasão chilena ao litoral boliviano, fazendo com que o país perdesse o acesso ao mar. 
Homenagem militar
Os jornalistas enfatizavam o termo "injusta" a todo o momento, demonstrando a insatisfação dos bolivianos com a situação. Como estávamos muito próximos à praça central de La Paz, o Lucas foi lá fotografar o momento. Com tudo aquilo, concluímos que o povo boliviano ainda é muito sentido em relação a isso, pois não possuem mais litoral. Por considerarem injusta a invasão, parecem estar se organizando para um dia retomar essas terras. Me parece que o Evo já está preparando a população para isso e uma tensão começa a se criar entre os país, se tratando disso.

  Bom, após esta manhã de conhecimento da história da Bolívia, compramos nossa passagem para Copacabana, ali mesmo no Hotel Áustria. Pagamos 20 bolivianos e fomos pegos na porta do estabelecimento, pela agência responsável pela viagem. Os dias em nosso último destino de viagem, a alegria de conhecer o Lago Titicaca e a minha análise dessa viagem estarão no próximo (e último sobre isso) post, aguardem :)

Saída de La Paz em grande estilo


29 de junho de 2013

Um sonho realizado, uma pessoa mudada - Parte 4

    Pois é, mais uma vez demorei para fazer o novo post. A vida tá corrida, mas minha vontade de compartilhar essa experiência, e escrever mais um pouco, não acaba. Então vamos lá.


Irmandade até na altitude

    Partimos do Vale de las Rocas para as Lagunas Altiplanas, e durante o trajeto, nosso guia Luis Mario nos apresentou a folha de coca (Importante: a folha não é uma droga. É tradição antiga local e deve ser respeitada). Ele levava um pacotinho com várias delas, e continuamente as mascava. Perguntamos para ele porque mascava, quais eram os efeitos. Acho que ele e todo boliviano responderão a mesma coisa sempre: bom contra o soroche, tira dor de cabeça, tira sono, tira fome.. TUDO! haha Masque uma folha de coca e tenha vida eterna! Provamos então a iguaria. Ela amortece a língua e de fato ajuda contra o mal da altitude. Chegando nas lagunas a primeira impressão foi fantástica. Um lugar calmo, com flamingos se alimentando, com uma montanha gigante sendo refletida e com minúsculos bichinhos-rosa na água (acredito que os flamingos devam pegar a cor deles, após beberem essa água). Lindo demais! E era só o começo...

Laguna altiplana, Bryan e os flamingos
Após, conhecemos outra laguna altiplana e lá foi nosso ponto de parada para almoço, após belas fotos. Um dos almoços mais exóticos que já fiz: a mesa e os bancos eram pedras, o prato principal era lhama e não tinha idioma oficial, ouvia-se espanhol, inglês, japonês e português. Mas para não parar com as novidades, meu primeiro sonho começava a se realizar: uma nuvem escura anunciava a neve chegando. Partimos em direção a ela, e aquele carinha que em 21 anos nunca havia visto neve nem de longe, implorou ao guia para que houvesse uma parada. Pedido aceito. Descemos e todos ficaram fascinados com tudo aquilo. Era um vento gelado cortante, mas uma neve linda caindo. Não tinha frio que desanimasse! Posteriormente, chegamos à terceira laguna do dia - laguna verde (minha preferida, porque será? haha). Ali a neve já tinha passado e acumulado várias porções entre as rochas. Paramos para tirar fotos e conhecer o local. O contraste entre neve, céu azul, solo avermelhado e flamingos foi uma das coisas mais bonitas que já pude ver. A viagem toda valia a pena se só tivéssemos conhecido a laguna verde. 

Contemplando a laguna verde
    Mas a viagem tinha que seguir. Próximo ponto: árbol de piedra. Porém, antes desse ponto turístico famoso da Bolívia, mais uma parada para brincar na neve, afinal não é todo dia que se tem essa chance. Boneco de neve, anjinho, guerra de bolas de neve, desenhos e frases feitas no chão... todos voltaram a ser crianças. O guia se impressionava com o fato, em pleno verão (apesar do frio e da altitude, não é tão comum isto ocorrer), e aproveitou para incentivar-nos a tirar "fotos especiales". Seguindo o roteiro, conhecemos a árbol, o deserto que a cerca e todos aqueles aglomerados de rochas erodidas, que tinham formas curiosas e geralmente lembravam algum animal ou objeto. De lá, seguimos para a laguna colorada. O dia não ajudou muito: havia muita nebulosidade e impedia que a cor característica dela ficasse tão escancarada. Mesmo assim valeu a pena. Pelo que nos contaram, essa laguna e a verde possuíam essas cores características devido aos minerais presentes nos dois locais. Não pesquisei a fundo para descobrir o real motivo, embora nem precisasse. Conhecê-los, imponentes entre as montanhas nevadas, já bastava. 
A trágica janta =/
O dia turistando acabava por ali. Partimos em direção ao segundo alojamento, onde passaríamos a outra noite fria do tour. Era fim de tarde, mas a janta já começava a ser preparada, pois à 22 horas a luz era cortada no "hotel". E QUE JANTA! Toda aquela lenda de hotel sem luz, comida ruim, camas duras e clima hostil eram balela. Tínhamos boa companhia, comida boa e camas confortáveis. A comida era tão boa, mas tão boa, que no outro dia eu e o Lucas passamos mal. Abusamos da macarronada (acompanhada por vinho, mas juro que foi o macarrão que deu o problema) e tivemos problemas. Não sei se a altitude atrapalhou em algo, mas não acordamos bem. Bom, nem tudo é perfeito, né?
    Com todos levantando às 6 da manhã, fomos em direção aos pontos mais altos da viagem: todos acima de 4000 metros de altitude. Acompanhados de uma temperatura abaixo de -10º C. Era frio, mal estar e muita neve. Conhecemos os gêiseres sol de la mañana, mas não consegui ter muita disposição para aproveitar a visita. Após, nosso grupo seguiu para as águas termais da região, onde se encontrava uma piscina artificial, com água quente natural (cerca de 30º C) em meio a montanhas nevadas. Lugar paradisíaco e inacreditável.

A "sopa de turistas"
Como podia uma água tão quente num local tão frio? Apesar to mal estar, fui obrigado a tomar um banho na piscina, com o pessoal do grupo. O guia Luis Mario, sempre bem humorado, chamava o lugar de sopa de turistas, por motivos óbvios. Mas era praticamente impossível um turista resistir a essa experiência e àquele lugar. Só estando lá para saber (desculpem, não adjetivos para o presente que a natureza nos dá nesse local).
    Saímos do calor debaixo das roupas, ficamos no frio sem camisa e com bermuda de banho, voltamos para o calor - agora da piscina - e voltamos a passar frio, muito frio, ao sair da piscina com pouca roupa.

Precisa dizer algo?
A alternância de temperaturas extremas + mal estar + altitude resultam no que? Um Bryan com a visão escurecida após sair das águas termais para buscar sua toalha e sua roupa quente. Consegui chegar até o jipe e lá sentei, para tentar recuperar a visão. Tinha uma respiração ofegante, que me preocupou muito. Não havia ninguém por perto e não tinha forças para gritar para ninguém. Aos poucos comecei a enxergar o entorno e me deparei com uma toalha molhada na cabeça, sem camisa e com uma bermuda também molhada. Fui o mais rápido que pude até o local onde tinha deixado as roupas e coloquei-as tão logo quanto cheguei. Os dedos dos pés e das mãos já doíam de frio. Situação muito desconfortante, que foi passando, felizmente. O Lucas teve algo parecido, mas menos intenso. Era o primeiro grande perrengue dos dois. É bom, para ter história para contar (como agora haha).
    Este então foi nosso último ponto importante de parada. Após muito lugares incríveis e a boa companhia dos nossos amigos bolivianos, equatorianos e ingleses, o tour chegava ao fim. Retornamos para Uyuni, pegamos o restante das nossas bagagens na agência e fomos à ferroviária, comprar as passagens de volta para Oruro. Era fim de tarde e tivemos que esperar a abertura do guichê, às 23 horas. Momento para recarregar a mochila com guloseimas, além de descansar/dormir no banco da ferroviária. Pagamos novamente 56 bolivianos pelo Expresso del Sur e seguimos então para Oruro. Desta vez, a viagem não foi tão bonita quando na ida, por ser durante a madrugada. Aproveitamos para dormir e chegamos no início da manhã em Oruro. Chegando lá, já compramos a passagem para Cochabamba, com a empresa Coral, pelo valor de 20 bolivianos, as 7 horas da manhã. Cochabamba serviu-nos, novamente, apenas de escala. E de lá partimos para La Paz, porém os dias em La Paz serão contados somente no próximo post.

Fim do Tour de Lipez, adeus Uyuni!

Espero que tenham gostado deste novo relato e espero mais ainda que eu não demore tanto para postar o próximo. Até mais :)


20 de abril de 2013

Um sonho realizado, uma pessoa mudada - Parte 3

Continuando a brincadeira, então...


Oruro: região de nascimento do atual presidente Boliviano, Evo Morales


    De Cochabamba para Oruro foram cerca de 4 horas de viagem. Então chegamos pouco menos do meio dia, em 5 de fevereiro. Nos deparamos com um ambiente peculiar: 90% das casas sem reboco, numa espécie de tijolo-à-vista-não-forçado e muuuuita poeira! Saímos da rodoviária já com a intenção de encontrar a estação ferroviária, que nos levaria até Uyuni. Paramos para pegar mapa e pedir informações (além de comprar o presente do Rafa, tá Mariel? haha) e notamos que a cidade estava numa atmosfera diferente. O carnaval se iniciaria no dia seguinte! Nem tínhamos ideia que havia Carnaval na Bolívia (e aí os preços mais caros que o normal fizeram sentido), muito menos que o de Oruro era o mais famoso do país e que é até reconhecido pela ONU como patrimônio cultural. As arquibancadas já estavam ficando prontas, as crianças já estavam nas ruas brincando (lá há a tradição de jogar nas outras pessoas balões cheios de água, além de utilizar espuma em lata e arminhas de água. Uma verdadeira "guerra boa") e nós dois ali, alheios a tudo. Tínhamos a ideia de fugir do Carnaval do Brasil e fomos achar um na Bolívia? Ai ai...

Avenida do desfile de Carnaval orureño
Na caminhada até a Ferroviária tivemos o primeiro contato mais forte com a altitude - falta de fôlego em alguns momentos, cansaço mais rápido que o normal e uma dor de cabeça chata e permanente. O tal do soroche existia (nome dado ao "mal da altitude")! Fomos num passo forte até a Estação, com medo de ficarmos sem bilhete, mas chegando lá descobrimos que só abriria as 14:30, uma hora antes de o trem partir. Decidimos então sair para almoçar e comer algo peculiar. Queríamos lhamas! hahaha Embora não tivéssemos encontrado o desejado, entramos num restaurante com ambiente aconchegante, aparentando ser bem cuidado. Pedimos a refeição mais barata, que vinha com sopa, um prato como segundo e o postre (sobremesa). Uma sopa deliciosa de macarrão, um prato de arroz com carne e ovo e uma espécie de suco de amendoim gelado (diferente, mas gostoso) nos saciou e deixou-nos prontos para a nova aventura. Custou 12 bolivianos tudo (4 reais).


Almuerzo

    Como era uma terça-feira, o único trem em atividade era o Expreso del Sur, que tinha um custo mais elevado. Pagamos 56 bolivianos e tínhamos a previsão de chegada as 22:30 em Uyuni. Esse trem era menos confortável que o Trem da Morte, mas muito, muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito mais prazeroso. Desculpe a ênfase, mas é inevitável. Durante o trajeto vimos paisagens fascinantes! É incrível como na Bolívia as paisagens mudam a cada minuto. Vimos montanhas bem vegetadas, montanhas sem vegeteção, montanhas com neve, pastos cheios de lhamas soltas, lagos formados pela chuva, mini-desertos, vilarejos com casas feitas de barro e cobertas com palha, chuva, sol, arco íris, raios, pôr do sol... Resumindo: não há como descrever, juro! Não dá pra dormir durante a viagem, embora o soroche esteja pegando. É de ficar com os olhos fixos na janela, só admirando. Impossível não se emocionar no mínimo uma vez com todo aquele espetáculo da natureza. Por isso digo: não deixes de pegar esse trem e fazer esse percurso se fores à Bolívia. A comida à bordo também é boa, apesar de todos os pratos custarem 35 bolivianos (o que é caro para um início de viagem, e para um mochilleiro).

Umas das várias paisagens incríveis do trajeto Oruro-Uyuni

    Chegamos em Uyuni e agooora sim, o frio. Temperaturas abaixo de 10º C a noite, na altitude de 3600m. Procuramos um hostel ou pousada para nos salvar do vento gelado e nos proporcionar uma boa noite de sono. Encontramos o hostel El Salvador, que já haviam me indicado pela internet antes da viagem. Um lugar simples e confortável, sem grandes regalias, com diárias custando cerca de 25 bolivianos. 


Noite de Uyuni é sempre gelada

Na manhã seguinte, acordamos cedo e fomos em busca de uma agência que nos ofertasse o pacote de 3 dias para o Deserto de Sal de Uyuni (segundo um monumento da cidade, a primeira maravilha do mundo). Uyuni é uma cidade muito pequena, basicamente formada por três quadras e com a Plaza Arce sendo o centro, se é que pode se dizer isso. Em cada esquina há pelo menos uns três vendedores de pacotes para o Deserto. Infelizmente acordamos um pouco tarde e somente haviam vagas nas agências mais caras. Decidimos então ficar mais um dia na cidade, resolver umas pendências (sacar dinheiro, avisar pela internet a todos que estamos bem, lavar roupas, secar outras). Após realizar tais, almoçamos pizza de lhama (finalmente encontramos! Pena que não continha muitos pedaços) e fomos para a pesquisa de preço. Encontramos a agência Full Adventure que nos pareceu organizada e que cobrava 750 bolivianos para o pacote de três dias, incluindo hospedagem, transporte e alimentação durante esse período. Ainda havia 150 bolivianos não-inclusos que teríamos que pagar para entrar na Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa. Com os bilhetes em mãos, saímos para conhecer a pequena cidade e seu mini-carnaval, além de comprar frutas, água e doces para a viagem, visto que havíamos sido informados que os mesmos eram escassos nos locais que visitaríamos. 
    Durante a noite, enquanto o Lucas lia e eu arrumava a mochila, aconteceu um apagão - era um convite a nós dois para sair do hostel (depois descobrimos que o fato era de certa forma comum na região) e desbravar a cidade naquela situação inusitada. Pegamos a câmera, nossas lanternas e fomos nos aventurar nessa. Um ambiente meio sombrio, ao estilo jogos de suspense/terror no vídeo game, mas muito divertido. Encontramos uma das várias tendas de senhoras, que estava repleta de barras de chocolate boliviano. De todas as frutas possíveis. Compramos o de manga. Sim, manga. QUE MARAVILHA! O melhor chocolate que comi na minha vida (se um dia você for para lá, compre um para você se certificar que eu não estou mentindo e um para mim, de lembrança, por favor). Podia dormir tranquilo e feliz depois disso.

Cemitério de Trens
   Já na quinta-feira, dia 7, tomamos o desayuno e seguimos à Full Adventure. Conhecemos nosso guia da viagem - Luis Mario- e os clientes companheiros de aventura: o casal equatoriano Daniel e Gabriela, os amigos ingleses Sean e Tobias. Seguimos então para o Cemitério dos Trens, um local onde uma ferrovia foi desativada e sua estrutura permaneceu, à mercê das interpéries. Peculiar e desértico, que proporciona boas fotografias, com os vagões enferrujados e seus trilhos desativados. De lá, partimos para o Salar de Uyuni, um dos principais pontos turísticos bolivianos. Antes passamos no vilarejo onde estão situadas as associações de artesanato, de extração e de refino do sal. Haviam casas construídas com blocos de sal, semelhantes a blocos de gelo utilizados em iglus. Muito interessante!

Construção com blocos de sal no local de seu refino.

Salar de Uyuni
Após minutos de viagem, sai a terra e entra o sal. Sal por todo o lado. Uma imensidão branca, com céu azulzão e flamingos bonitos voando nele. Praticamente impossível não ficar com óculos escuro. O reflexo e a claridade prejudicam muito a visão, embora não haja como deixar de tirá-lo para ver se tudo aquilo é mesmo real. Fizemos o passeio sentados no teto do jipe e apesar da imensidão branca, notava-se vários pontos pretos, com muitos outros jipes de passeio. Todos convergiam para o mesmo local: o famoso hotel de sal. Paramos lá para conhecê-lo, almoçar (carne de lhama, quínua, banana, salada, chocolate e Coca-Cola) e ver suas esculturas de sal, bem como um monumento em frente ao mesmo, em que os visitantes deixam as bandeiras de seus países. O Brasil, claro, estava lá representado pela sua bandeira, pela do Fluminense e pela do MST. Até lá, Jesus! hahaha


Conhecendo o vilarejo
    Maravilhados com aquelas paisagens, retornamos à Uyuni para buscarmos nossas mochilas e partir para a primeira noite do pacote. Não me recordo o nome do local (algo como Illota), mas ao contrário de outra lenda que ficamos sabendo, era confortável, quente e com boa comida, graças à Leonora - esposa do nosso guia e cozinheira oficial da agência. Antes e depois da janta ficamos conversando e jogando cartas com quatro amigas chilenas que faziam o caminho inverso ao nosso: tinham como destino final o Salar. Muito simpáticas, nos contaram sobre o Chile (e me convenceram a conhecê-lo num próximo mochilão) e nos ensinaram jogos de baralho comuns no seu país. Após a jogatina, os chilenos, brasileiros, bolivianos, equatorianos e ingleses foram para seus respectivos dormitórios.
    Na manhã seguinte, acordei muito antes do horário combinado e saí para uma caminhada matinal, um "reconhecimento de campo". QUE LUGAR! Esse vilarejo é formado por três ruas paralelas e poucas perpendiculares a elas, sendo que fica no centro de um vale lindo, formado por uma vegetação rasteira contínua, montanhas rasgando o céu e várias criações de lhamas e carneiros. Quem dera tenha uma vista daquela todas as manhãs. Voltei e todos tomamos café, para então seguir viagem. De lá fomos ao Vale de las Rocas - região com formações rochosas muito bonitas e extensas. Lá sentia-se uma paz de espírito muito confortante e atípica. Ao sentar-me e fechar os olhos, só sentia o barulho e a força do vento, além de algumas aves. Só. Um contato com Deus forte. Daqueles momentos para se guardar para sempre.
Do Vale seguimos para as Lagunas Altiplanas.

Vale de las Rocas

Contarei sobre elas e os dois dias restantes do pacote no próximo post. Tem muita coisa legal ainda para ser falada :)

2 de abril de 2013

Um sonho realizado, uma pessoa mudada - Parte 2


Acho que demorei mais pra terminar o relato do que pra fazer a viagem, mas continuando...

Pórtico de entrada na Bolívia, cidade de Puerto Quijarro.

    Passamos a fronteira e entramos na Bolívia, cidade de Puerto Quijarro, no dia 3 de fevereiro. Decidimos não perder tempo, queríamos chegar o quanto antes na Ferroviária e comprar os bilhetes para o famoso Trem da Morte. Mesmo com a pressa, não queríamos gastar dinheiro e achamos melhor ir a pé. Esse modo nos proporcionaria conhecer melhor a cidade e treinar o espanhol, pedindo informações de como chegar ao nosso destino. Nossa ideia de caminhar foi abortada por uma "carona" de um "amigo que fizemos na fila da fronteira. Sim, usei aspas na palavra porque quando estávamos próximos da Ferroviária o nosso ilustríssimo amigo informou que também era um táxi, então os dois tontos (Eu e Lucas) pagaram pelo serviço e desceram.
    Chegamos e descobrimos que naquele dia, um domingo, só sairia um tipo de trem para Santa Cruz de la Sierra - o Super Pullman. Não era o mais barato, mas também não era o mais caro e nos daria um certo conforto, já que era uma viagem de 20 horas. O custo/benefício valia. Horários, itinerários e valores dos trens, seguem nesse link abaixo, tirado do próprio site da empresa:
   http://www.ferroviariaoriental.com/pasajeros/itinerariosytarifas/tabid/59/default.aspx 

Ferroviária para o Trem da Morte
    Assim, trocamos nossos reais pelo boliviano - a moeda local - num câmbio de 1 real para 3 bolivianos (o máximo que conseguimos na viagem foi 1 para 3,15), compramos o bilhete de 127 bolivianos e fomos turistar pelas redondezas, comprar comida e usar o banheiro mais próximo. Dica importante: os banheiros na Bolívia raramente são free. Têm-se que pagar pelo uso, nunca mais que 3 bolivianos. Mas deve-se sempre pedir papel, já que eles não costumam colocar. Nos terminais rodoviários há serviço de banho (chamado de "ducha", custando cerca de 7 bolivianos) e banheiro (chamado de "baño", o que causa uma certa confusão para os brasileiros).
   Durante este tempo de espera na Ferroviária, reencontramos o paulista-japonês que conhecemos na fronteira. Conversamos muito tempo, trocamos bastante informações úteis sobre a Bolívia, descobrimos que ele se chamava Douglas e que faria um roteiro parecido com o nosso, porém ficaria em um vagão diferente do nosso no Trem. Ao entrarmos, nos deparamos com uma realidade totalmente diferente do que lemos em relatos por aí: bancos confortáveis, música ambiente (um clip mais engraçado que o outro na tv, de artistas tradicionais da Bolívia e da Argentina), ar-condicionado, serviço de bordo e nenhum problema. Tudo bem que não fomos no trem mais barato, mas as histórias de pessoas vendendo galinhas e sucos com água suja, sujeitos deitados no meio do corredor, gritaria, balanço contínuo e situações desconfortantes viraram balela. Lá vimos nosso primeiro pôr do sol boliviano e muitas paisagens lindas, jantamos pollo (em todo lugar terá pollo - frango - de todas as formas a venda, prove que vale a pena) com nossos amigos Douglas e Roberto (um equatoriano muuuito gente fina, que vive em Londres e estava fazendo um tour pela América do Sul), descansamos e desmistificamos o Trem da Morte - que pelo que soubemos só é conhecido assim porque antigamente era usado no transporte de doentes dos vilarejos até Santa Cruz e muitos acabavam morrendo no caminho.

Lucas, Bryan e Douglas prontos para o Trem

   Após um bom tempo de viagem, chegávamos próximo das 8 da manhã no Terminal Bimodal de Santa Cruz, onde há lado a lado a Ferroviária e a Rodoviária. Primeira impressão: "porquê esse pessoal está gritando?". Nas rodoviárias bolivianas há muitas viações prestando o mesmo serviço, com valores e horários parecidos. Ou seja, uma grande concorrência. A forma que utilizam para atrair o cliente são vendedores, semelhantes a cambistas, que circulam pelo terminal tentando convencer o cliente de que sua empresa fornece o melhor serviço, com o melhor preço. Nem sempre falando a verdade, já que sabemos que não há muita diferença entre os tipos de ônibus oferecidos e que TODOS os ônibus não tem banheiro, por mais longa que seja a viagem e por mais que eles garantam que tem. Porém, quando o horário de partida de um ônibus se aproxima os mesmos gritam o nome da cidade de destino desse ônibus, para que quem queira ir para o tal lugar vá procurá-los. 

Valores máximos das passagens de ônibus
Nesses momentos a gritaria ecoa no local, já que as empresas fazem horários semelhantes (imagine 20 pessoas gritando num local fechado: ORURO, ORURO, ORUROOOOOOOOOOO! Pois então, é engraçado e agoniante hahaha). Essa também é a hora de pechinchar! Eles reduzem muito o valor nas negociações, tem que ser cara de pau! E há em toda rodoviária um órgão do governo que fiscaliza e tabela os valores máximos a serem cobrados, fique atento a tais.
   Bom, após nos depararmos com esse fato curioso, fomos comprar nossa passagem para Cochabamba, que seria nossa primeira escala até Uyuni. Escolhemos a empresa Expresso Mopar, que vendeu por 40 bolivianos as passagens (as outras vendiam na faixa de 70 bolivianos), com saída as 19:15. Portanto tínhamos 11 horas vagas, que decidimos ocupar conhecendo uma das maiores cidades da Bolívia. Colocamos as mochilas nas costas e fomos procurar alguma pousada/hostel. Queríamos tomar um banho (faziam alguns dias kkk) e deixar nossas coisas, para poder caminhar mais tranquilamente. Com informação dos moradores, conseguimos chegar ao centro da cidade e nos deparamos com algo curioso: há ruas na cidade que possuem somente um tipo de comércio ao longo de toda sua extensão. Imagine uma rua somente com lojas de colchões. Pois é, estranho, mas útil, ao meu ver.
   No centro encontramos um hostel muito legal, com ambiente gostoso, mas muito caro. Conseguimos dele um mapa: nossa salvação (dica: quase toda rodoviária boliviana possui um centro de informações turísticas, que fornecem mapa). Encontramos então o Residencial Ikandire e pagamos 30 bolivianos pelos serviços (um pouco salgado, contudo normal pelo fato de situar-se no centro). De banho tomado, chinelos e roupas confortáveis, fomos procurar algo para comer e lugares interessantes para conhecer. Ao andar por Santa Cruz, passamos por um supermercado e tivemos a ideia de entrar para conhecer o que se vendia de diferente do Brasil. Quanta coisa gostosa (chocolates, picolés, padaria) e quanta coisa curiosa (cuba libre vendida em garrafas semelhantes a de refrigerantes, polvos e lulas em pedaços, frutas diferentes... )! Decidimos comprar nosso almoço ali, conhecer os produtos bolivianos. Almoço do dia: iogurte, alfajores, picolé, sorvete, cerveja local (Paceña, muito boa!) e salteñas (salgado local DIVINO, outra coisa excelente de se provar). Perfeito.

Almoço "Cruceño"
   Depois da refeição legal, saímos para conhecer umas praças locais e os mercados públicos, também para comprar luvas, cachecóis e óculos de sol para o frio de Uyuni. Muito sábio, por sinal, no verão de Santa Cruz, com mais de 30º C, os indivíduos tentarem achar cachecol hahaha foi difícil, mas conseguimos. Após conhecer uma das cidades mais urbanas, menos tradicionais e mais importantes da Bolívia, partimos para Cochabamba. Durante a madrugada, nosso ônibus foi parado pela polícia nacional. Eu e o Lucas não conseguíamos entender nada do que estava acontecendo. Ficamos apreensivos e vimos o motorista e o cobrador desceram para conversar com os policiais. Alguns passageiros foram ajudar na negociação, e nós dois começamos a ligar o fato com o estranho valor baixo dessa viação, em relação às outras. Mas a conversa entre bolivianos funcionou e fomos liberados, podíamos voltar a dormir, mesmo sem entender o que se passou. Chegamos, então, na cidade que menos conhecemos na viagem, porém nela que tivemos a percepção do quão frio seriam os dias seguintes. Sai de campo o calor e umidade semelhantes ao Brasil e entra a altitude, o clima mais seco e as temperaturas reduzidas: hora de colocar os casacos e calças. 
    Chegamos por volta de 6 horas da manhã em Cochabamba e já conseguimos uma passagem as 7 horas para Oruro, por 20 bolivianos pela empresa Coral. Poucas horas de viagem nos separavam da cidade-natal do presidente Evo. Mas, a continuação fica para o próximo post, esse já está ficando extenso. 

Chegando em Cochabamba: altitude e frio dando as boas vindas

A melhor parte da viagem estava por vir :)

6 de março de 2013

Um sonho realizado, uma pessoa mudada.

    

      Um sonho que surgiu aos 15 anos de idade. Eu estava ali, preso dentro de casa e com dependência total dos pais. Sabia que era necessário e importante viver tudo aquilo, mas também sabia que havia um mundo gigante lá fora, que minhas asas estavam coçando pra começarem a bater. Sonhava conhecer muitos países, e com isso culturas, pessoas e locais diferentes com a simples motivação de conseguir crescer pessoalmente e pôr a força em prova. O sonho foi amadurecendo, mas era necessário atingir a maioridade. Após isto, conseguir algum dinheiro. As possibilidades na vida já eram maiores, quando numa conversa casual com o Lucas - daquelas que ele fala sobre o interior do ser, paz e essência - fiquei sabendo de sua intenção de ir até o Peru. Era o que eu precisava ouvir de alguém. Dupla feita, aventura e desejos compartilhados. Finalmente minha busca pelo pôr do sol no Pacífico iria se realizar. Finalmente o que eu sonhava há 7 anos poderia acontecer. Empolgação tomou conta!

        Foram três meses de leitura sobre Bolívia e Peru, procurando qualquer informação que pudesse ser útil, sobre ambos. Eu queria estar preparado, aventurar mas sabendo o que estava fazendo e vivenciando. Com as leituras de vários relatos de viagem, informações disponíveis na internet sobre as cidades desses países, histórias de amigos e desconhecidos comecei a traçar o roteiro, que inicialmente priorizava o Peru. Passei dezembro em Santa Catarina com a família, gastando o menos possível (isso incluía não sair com os amigos). Sabia que todo dinheiro gasto ali era um valor importantíssimo tirado da viagem, visto que universitário não ganha lá muito bem e necessita fazer escolhas sobre no que e quanto vai gastar (até ter que deixar de ir no casamento de uma amigona e aniversário de outras duas amigas tão especiais quanto). 

       Em janeiro eu e o Lucas, já com o roteiro de viagem praticamente definido, começamos a correr atrás do que iria ser necessário para a viagem além das informações. Mochila (comprei uma de 70+10 litros), canivete com talheres, cartão Visa Travel Money (funcionou bem pra mim, sem dores de cabeça.. aconselho usá-lo em viagens internacionais e solicitar um cartão reserva), vacina de febre amarela, óculos de sol (não há como ir no Salar de Uyuni sem e não há como ir a Bolívia e não visitar), bota de trilha, identidade nova (com mais de 10 anos não serve na fronteira) e roupas de frio foram itens que comprei/emprestei/ganhei e que sabia que seriam essenciais para a trip. Não errei.

      Infelizmente pouco antes de viajarmos ocorreram problemas com dois brasileiros: um estava desaparecido e outro se feriu caindo numa fenda ao ir escalar. Era tudo que eu não precisava. Minha família - especialmente meu pai, mãe e vó materna - surtaram. Começaram a achar tudo aquilo perigoso e pediram, até imploraram pela minha desistência. Fiquei com uma pulguinha atrás da orelha. Conseguiram me deixar um pouco preocupado, já que eu era 'marinheiro de primeira viagem'. Mas sonho é sonho. Não ia desistir tão fácil e deixar todos os planos de lado. Risco sempre vai existir e quanto mais difícil é de se fazer algo, mais prazeroso se torna. 

      Cheguei à Pontal do Sul e iniciei a fase final de preparação, com conversas e planejamentos com o Lucas. A data de saída em direção à Bolívia estava definida: 31 de janeiro. A data de volta estava prevista para dia 23 de fevereiro, já que eu tinha intenção de comemorar os 22 anos com a família e os amigos, e não dentro do ônibus, voltando ao Brasil. As cidades que seriam visitadas também foram escolhidas: Campo Grande e Corumbá no Brasil; Puerto Quijarro, Santa Cruz de La Sierra, Cochabamba, Oruro, Uyuni, Tour do Salar de Uyuni, La Paz e Copacabana na Bolívia; Puno, Cusco, Lima, Chicama e Arequipa no Peru. Algumas delas iriam servir somente como as escalas mais baratas para os destinos principais.

Recepção douradense
     Para chegarmos em Curitiba pegamos uma carona com o pessoal do curso, que iria fazer a recepção dos nossos calouros na UFPR. De lá seguimos para a rodoviária da cidade. Chegamos pouco depois das 21 horas e para nossa surpresa e tristeza os ônibus das 22:15 e das 22:30 para Campo Grande estavam lotados. Haviam duas opções: ir no dia seguinte ou achar outro destino. Decidimos procurar passagem para alguma cidade sul mato grossense e encontramos para Dourados. Perfeito! Lá iríamos poder visitar nossas amigas da graduação, Elisa e Julia. Assim fizemos. Pagamos 160 reais na passagem, pela Viação Expresso Maringá. O ônibus era muito bom, porém parava em muitas cidades. Com isso chegamos em Dourados no horário que a empresa que ia até Campo Grande (Eucatur) prometia. Mas o atraso foi ligeiramente compensado pela recepção. Almoçamos no shopping ao lado da rodoviária de Dourados e logo surgiram a Elisa e seu pai (diga-se de passagem uma pessoa incrível. Muito gente boa, calmo e inteligente), nos convidando a ir na casa da Julia. Uma casa linda, com uma família linda e com um tereré (se falar com "ê" elas me matam haha) gelado e muito bom! Passamos a tarde numa conversa gostosa com todos, no dia do aniversário da Dona Dalva (mãe da Julia) e começamos a ver o quão bom tinha sido a decisão da viagem, embora também estivéssemos ansiosos com a parte boliviana. Seu Julião (pai da Julia) então nos levou a um posto na saída da cidade para tentarmos alguma carona para a capital do estado, já que queríamos economizar dinheiro e ganhar tempo.


No posto conversamos com muitos caminhoneiros e descobrimos que poucos iriam para CG, então decidimos verificar se havia carros populares com placas da cidade, já que isso traria uma grande possibilidade de o motorista estar indo para onde gostaríamos. Dito e feito. Encontramos o César, um representante comercial muito legal, que inicialmente estava muito desconfiado, mas aceitou nos dar carona para Campo Grande. Vimos nosso primeiro pôr do sol na viagem ao mesmo tempo que as conversas com nosso novo amigo sobre mulheres, futebol, família e política fluíam  Chegamos as 22 horas na capital e então nos despedimos do César. Pela primeira vez colocando as mochilas nas costas, sentindo seus mais de 10 kg de peso e a emoção de termos conseguido nos virar diante das primeiras dificuldades.


Casa do Rafael
Seguimos então em direção ao endereço passado pelo Rafael, nosso contato do Couchsurfing (para quem não conhece: um site muito bom de troca de hospedagens free). Demoramos a encontrar, apesar de irmos pedindo informação nos momentos de dúvida. O Lucas começou a pedir maiores informações da localização por celular para o Rafael e creio que o mesmo percebeu que estávamos meio perdidos. Decidiu nos buscar de carro. Rafael desde o início se mostrou muito simpático e receptivo, que gosta de música boa, tem um emprego que aprendeu a gostar e se sentir feliz, uma casa linda e aconchegante, com uma cadela (a Kia) grande e igualmente linda. Saímos então para jantar algo e logo depois caímos como pedras em suas respectivas camas, sonhando com o dia seguinte naquela cidade incrível. Fiquei realmente encantado com a organização e a beleza de lá: ruas largas, ciclovias bem definidas, muitas árvores e canteiros plantados e muito bem cuidados. Mas confesso que estava um pouco tenso por saber que a cidade tinha o maior número de casos de dengue no país, naquela época. Embora houvesse essa preocupação, ela foi deixada de lado no outro dia. Fomos convidados pelo Rafael a ir num churrasco na casa dos seus amigos. Meu Deus, QUE CHURRASCO! Uma tarde muito agradável, com cerveja gelada, comida boa e muita conversa interessante, desde a panela de pressão de 300 reais até histórias do Acre e sinopses de filmes franceses bons. No fim da tarde seguimos para a rodoviária - levados pelo sempre generoso Rafael - onde iríamos rumar a Corumbá. Pegamos o ônibus da meia noite, pagando 81 reais pela viação Andorinha.

Chegamos as 6 da manhã em Corumbá e em seguida pegamos táxi, dividindo-o com um dos passageiros do ônibus. Cada um pagou 10 reais para sermos levados até a fronteira. Lá encontramos uma fila gigante de pessoas e descobrimos que a maioria eram bolivianos que estavam desde o dia anterior no local, aguardando a vez para entrar no Brasil. Como queríamos sair do Brasil, entramos em uma fila menor. Mesmo assim ficamos cerca de 3 horas aguardando a vez de sermos atendidos. Durante esse tempo conhecemos duas gurias e um cara mineiro que também iriam mochilar, além do Douglas, um paulista meio japonês que iria fazer praticamente o mesmo trajeto que nós dois. Conseguimos passar pela burocracia brasileira, e então tínhamos que dar entrada na aduana boliviana, para podermos seguir viagem. Lá outra fila, um pouco menor, mas tão cansativa quanto, já que o sol apertava mais naquele momento. No decorrer das duas horas nessa nova fila aproveitei para ligar desejando feliz aniversário ao meu pai e informar que estava bem, mas que a cobertura do celular iria acabar, visto que estava entrando num novo país. Preenchemos nossos dados e dentro da aduana já tivemos a primeira ideia de um fato corriqueiro da Bolívia: a paixão e devoção por Evo Morales (atual presidente) e Simón Bolívar (libertador do país, herói da independência) expressados em retratos de ambos na parede do local.


Retratos dentro da aduana boliviana. Ao centro Evo e à sua esquerda Bolívar


Após dois dias de viagem, um pouco de cansaço, porém várias experiências grandiosas, chegamos à Bolívia! O espanhol/portunhol iria começar a ser posto em prática, as pernas e costas iriam começar a ser mais forçadas e a alegria de estar viajando para um lugar novo iria começar a transcender. Hasta luego, Brasil!


----CONTINUA NO PRÓXIMO POST----